Juiz que aceitou denúncia e determinou a prisão do ex-governador do Rio de Janeiro alega que político e aliados utilizaram um programa social de Campos, município administrado por sua esposa, para eleger 11 vereadores
O juiz que determinou a prisão do
ex-governador e ex-deputado Anthony Garotinho (PR-RJ) considerou haver
elementos de que o político “coagiu e constrangeu mediante grave ameaça”
duas testemunhas para tentar atrapalhar as investigações da Operação
Chequinho, que apura um esquema de compra de votos em Campos, no Norte
fluminense. Marido da atual prefeita do município, Rosinha Garotinho, de
quem também é secretário, Garotinho foi preso na manhã desta
quarta-feira (16) em um apartamento no bairro do Flamengo no Rio.
Segundo o juiz Glaucenir Silva de Oliveira, da 100ª Zona Eleitoral de
Campos, alega que o grupo utilizou um programa assistencial para comprar
milhares de votos.
A defesa do ex-governador classificou a prisão como arbitrária e
ilegal e anunciou que vai recorrer com um pedido de habeas corpus para
tentar liberá-lo. Conforme a denúncia do Ministério Público, 18 mil
pessoas foram incluídas de maneira irregular no programa Cheque Cidadão,
da prefeitura de Campos, em troca de votos. Até então o programa
contava com 11 mil beneficiários.
Para Glaucenir, os fatos narrados pelos procuradores são
“extremamente graves” e demonstram o “temor de pessoas envolvidas na
trama” de prestar declarações para elucidar as suspeitas. Além de
determinar a prisão de Garotinho, Glaucenir aceitou a denúncia
apresentada pelo Ministério Público, autuando o ex-governador como réu.
Segundo o magistrado, o esquema com dinheiro público ajudou na
eleição de 11 vereadores da base eleitoral de Garotinho. “(Ele)
associou-se a diversos outros personagens, alguns já denunciados,
incluindo vereadores e outros agentes públicos deste município, de forma
estável e permanente” com o intuito de cometer corrupção eleitoral. Os
votos, conforme a denúncia,
foram comprados pelo grupo político com a concessão do benefício de R$
200 a famílias de baixa renda, sem passar por qualquer cadastro prévio.
‘Mão de ferro’
“Estes e vários outros elementos probatórios constantes dos autos do
inquérito policial, demonstram com clareza que o réu efetivamente não só
está envolvido mas comanda com ‘mão de ferro’ um verdadeiro esquema de
corrupção eleitoral neste município, através de um programa
assistencialista eleitoreiro e que tornou-se ilícito diante da
desvirtuação de sua finalidade precípua”, assinalou o juiz na decisão.
Conforme as investigações, uma das testemunhas coagidas por Garotinho
é a chefe de um posto de saúde responsável por intermediar, com a
autorização de um vereador do PSDB, a liberação do benefício para 20
pessoas. Inicialmente, Alessandra da Silva Alves disse que o vereador
Ozéias Martins havia determinado a concessão do cheque. Em seguida, ela
gravou um áudio no WhatsApp, a mando de Garotinho, conforme a denúncia,
desqualificando o relato anterior. No dia 27 de outubro, Alessandra
voltou à PF, acompanhada de dois advogados e contou que foi coagida pelo
ex-governador, por meio de um assessor, a gravar a mensagem, divulgada
em rádio controlada por ele. Do contrário, afirmou, perderia o cargo
comissionado. Ela relatou, ainda, que uma intermediária de Garotinho lhe
pediu um exame de sanidade mental.
“Não resta dúvida de que o réu foi o beneficiário direto e mandante
da trama envolvendo Alessandra, que se viu coagida a desqualificar seu
próprio depoimento prestado regularmente a autoridade policial federal,
através do expediente ilícito da gravação de um áudio divulgado pelo
acusado em seu programa de rádio”, escreveu o juiz Glaucenir.
“Pode-se verificar que o programa assistencialista eleitoreiro, eis
que desvirtuado de sua real finalidade, cresceu assustadoramente, posto
que irregular e ilicitamente inseridos cerca de 18 mil novos
beneficiários, sem os procedimentos obrigatórios e sem passarem pelo
cadastro e avaliação necessária pelas assistentes sociais, tudo por
determinação do réu e a fim de obter sucesso nas urnas nas últimas
eleições. Para tanto, os cartões do benefício foram distribuídos, por
ordem do réu, aos vereadores e candidatos de sua base aliada e de sua
preferência, para manter o poder político local”, sustentou o
magistrado.
Supressão de dados
Glaucenir também citou o depoimento de outra testemunha, o analista
de sistemas Eduardo Coelho Carneiro, responsável pela armazenagem de
dados do programa Cheque Cidadão. “Esclareceu que o programa parecia
desvirtuado por interesses políticos por ordem do réu (Garotinho), eis
que desde o ano de 2013 o programa não recebia novos beneficiários por
falta de recursos para pagamento, conforme lhe foi esclarecido por
Gisele Koch (coordenadora do programa) e, não obstante, em junho de
2016, foi convocado para uma reunião para a inclusão de novos
beneficiários, ocasião em que foram distribuídas senhas do sistema a
diversas pessoas no mesmo momento com tal finalidade.” A reunião,
segundo Eduardo, foi conduzida por Garotinho.
O analista de sistemas contou que, após o cumprimento de um mandado
de busca e apreensão na secretaria ao qual o programa é vinculado, teve
de cumprir ordem de Garotinho para suprimir do sistema os dados
relativos à fraude no programa.
“Não é demais lembrar que a par da fraude eleitoral criar uma despesa
extremamente vultosa para os cofres públicos municipais, que
evidentemente sofreram enorme sangria ilícita, a própria democracia foi
maculada, viciando-se o pleito eleitoral através da manipulação da
população carente deste município, com a exploração de suas necessidades
com um único objetivo de angarias votos”, emendou o juiz, para quem o
ex-governador acredita que seu poder está “acima da lei da ordem” ao
tentar, sempre que é acusado, denegrir a imagem dos magistrados que o
julgam.
Abusiva e ilegal
Em nota, o criminalista Fernando Augusto Fernandes, que defende
Garotinho, afirmou “que o decreto de prisão ocorrido em razão de decisão
da 100ª Vara Eleitoral de Campos vem na sequência de uma série de
prisões ilegais decretadas por aquele juízo e suspensas por decisões
liminares do Superior Tribunal Eleitoral”.
Segundo a defesa, a prisão de Garotinho é “abusiva e ilegal” e
decorre de sua constante denúncia de abusos de maus-tratos a pessoas
presas ilegalmente naquela comarca. “Estas denúncias de abuso foram
dirigidas à Corregedoria da Polícia Federal e ao juiz, que nenhuma
providência tomou. Pessoas presas mudaram vários depoimentos após
ameaças do delegado. No entanto, o TSE já deferiu quatro liminares por
prisões ilegais. A Justiça certamente não permitirá que este ato de
exceção se mantenha contra Garotinho”, afirmou o advogado.
A prefeitura de Campos ainda não se pronunciou sobre o assunto até o momento.